Essa história é verdade verdadeira. Digo isso já, porque verossímil ela não é. Não raro as mais verdadeiras histórias são as mais inverossímeis.
Pois bem, ainda no outro milênio tive um namorado. Esse namorado era um tanto mais velho que eu e em seus anos de faculdade havia sido comunista – comunista de verdade, de se filiar em partido e tudo. O partido decidiu investir nele e o mandou para uma viagem de um ano na Alemanha Oriental (eu disse que o relato é antigo…). Ele tinha um codinome, Ronaldo, algo assim. Pois Ronaldo se apaixonou por uma alemã, que o acolheu muito bem. Divertida, queria aproveitar a vida ao máximo e encontrou naquele brasileiro um ótimo companheiro.
Vamos chamar a alemã de Hanna. Hanna, o primeiro amor de Ronaldo.
Ronaldo era engraçado, popular, sempre teve facilidade de fazer amigos, mesmo em línguas nas quais não dominava. Assim, quando Juan chegou, a conexão foi imediata. Argentino, vivera recentemente a guerra das Malvinas, o que o fez ter ainda mais horror ao governo ditatorial de seu país e mais convicto que só o comunismo salvaria a América Latina. Juan e Ronaldo se tornaram inseparáveis.
Ronaldo foi convidado para uma semana em outra cidade alemã para conhecer alguns meandros do regime então vigente no então país. Aprendeu tanto, voltou animado, louco para contar tudo que viu para Hanna e para Juan. Encontrou-os aos beijos no corredor dos dormitórios. Aos beijos. Seu primeiro amor. Seu melhor amigo. (“Isso que dá colocar todos os ovos na mesma cesta” – comentou, anos depois, ao me contar a história.)
– Você sabe que morrerei cedo, Ronaldo. Alguma doença fatal vai me levar antes dos 30 e preciso aproveitar o pouco tempo que tenho – disse a moça.
– Mas…
– E ciúme é coisa do capitalismo – completou Juan.
– Poxa…
Será que eles estavam certos e ele era o errado? Mas por que o gosto de guarda-chuva na boca?
Creio que não foi pela doença futura de Hanna, mas Ronaldo largou o comunismo pouco depois de pisar no Brasil novamente. Teve um quase casamento que não deu certo (“não há amor que resista a uma quitinete” – outra frase sua que não esqueci) e então nos conhecemos, nos tornamos colegas, amigos, namorados. Inseparáveis, muito riso e nenhuma briga. Contou-me de Hanna e eu dizia que ela certamente estava bem viva por aí.
Foi meu primeiro amor – e fez comigo o que Hanna fez com ele.
(Ilustração: Thomás Camargo Coutinho – desenhador.com.br )